Seguidores

quinta-feira, 18 de abril de 2013

CAPÍTULO 02



Músicas que embala o capítulo = California Dreamin': 
https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=qhZULM69DIw



Sunny - Jennyfer Hunter

Que pessoa insistente! Pensei em respondê-la agressivamente, sei lá... deixá-la no vácuo. Mas o olhar atento da amiga em nós me fez querer, mesmo que inconsciente, ficar mais um pouco ali só para observá-la. Ao responder à insistente, pareceu que meu nome não lhe trazia boas recordações, pois no
momento em que ela ouviu-me dizer meu nome real ficou pálida, estatelada, imóvel. Tive vontade de voltar e perguntar se estava tudo bem. Se eu havia dito algo que a tinha aborrecido. Porém, eu queria correr daquela advogada tarada e inconveniente o mais rápido que eu conseguisse antes que ela perguntasse a cor da minha calcinha. Pedi licença à tal indiscreta e segui em frente, continuando o percurso na areia da praia. 


A tarde passou e eu não voltei à barraca das meninas como eu tinha dito que faria. Apesar de não ter ido, meu pensamento não saiu daquele lugar, pois me peguei pensando naquela desconhecida por diversas vezes. Aquele seu olhar em mim, um misto de curiosidade e de desalento, queria me dizer algo. Mas não conseguia imaginar o que pudesse ser. Desde o momento em que parei na barraca com aquelas turistas, meu pensamento reforçava o rabisco da expressão daquele rosto controverso. Senti um arrepio intrigante, convidativo, ao mesmo
tempo em que algo me dizia para ter cuidado. Duas coisas que eu tinha certeza era de que não estava daquele jeito pela advogada. Sem chances. Mas inusitadamente, por causa de um simples olhar, capaz de criar pensamentos que prenunciavam o inexplorado. E a outra certeza era de que, queria explorar o mistério contido naquela mulher. 
Após alguns devaneios, olhei para a hora e decidi ir para casa descansar.
Amanhã eu passaria lá na Lu e na Ive para conversarmos. 


Assim que entrei em casa, Ive me ligou para me perguntar se eu não iria voltar lá na barraca. Respondi que estava muito cansada e que passaria por lá amanhã.
Em vez de reclamar e desligar, estranhamente continuou e perguntou: 
- A Flavinha e amigas estão saindo da praia agora...ela veio nos convidar para fazermos um happy hoje à noite lá na casa dela. Que tal?
Fiquei muda, pois não queria ser grosseira negando o convite. Tentei dar uma desculpa:
- Ive, não acho que seja uma boa e...
- Ah vamos! Aliás, ela que pediu para te chamar. – Disse já me cortando.
Ela sabia que eu não costumava dispensar festinhas, mas não queria ter que encarar as investidas descaradas da tal advogada.
- Por isso mesmo, Ive. Tu viste a insistência dela, né? Não quero ficar fazendo esforços para me esquivar de ninguém. E além da conta, estou no bagaço. 
Minha viagem havia me cansado muito e eu ainda não havia conseguido descansar direito desde meu retorno. Naquele momento, de verdade, o que eu mais queria era um banho bem quente e minha cama.
- Mas Sunny, ela não pareceu interessante pelo menos para dar uns beijos?
- Não.
Ela não. Pensei.
Fez-se um silencio... Cinco segundos que mais pareciam cinco minutos. Sabia que ela estava fofocando com a Lu.
- Perae, que a Lu quer falar contigo.
Bingo! Sabia que teria apelação!
- Ô maluca! Que história é essa de que você não quer ir hoje com a gente? Posso saber porquê?
Dei aquela suspirada de que sabia que estava perdida. Essa mulher não ia me deixar quieta enquanto eu não dissesse sim. Mesmo assim tentei:
- Porque são suas amigas, Lu... Não tem nada a v...
- Ah mas vai sim senhora! Olha só, são quatro e dezessete agora. Por volta das sete horas vou te ligar pra gente combinar de se encontrar, ok? E nem pense em desligar seu celular, pois sei o caminho da sua casa, sua safada! 
Antes que eu pudesse tentar qualquer contra-argumento, ela mandou beijos e desligou.
Porra! Mas que mania feia que ela tinha de desligar na minha cara. Não mudava nunca! 
Deitei e fiquei lembrando de quando a conheci até ela se tornar a grande amiga de hoje... Seis anos atrás.


Eu estava em uma roda de amigos que eu tinha feito na Colômbia, e que visitavam a cidade. Eles tinham me ensinado a fazer uns colares e pulseiras com miçangas bem tradicionais de sua cultura. A festa na praça dos Pescadores estava muito boa. Com música ao vivo e muita gente de vários lugares. Em algum momento, parou uma jovem ao meu lado, perguntando se o colar que eu tinha acabado de fazer estava à venda.
- Quanto custa?
- Oi? - Respondi sem entender o que ela tinha perguntado por conta do barulho.
- Esse colar... Quanto é? – Disse a garota apontando pro conjunto de miçangas.
- Ah não... Não faço pra vender. Estou aprendendo ainda e...
- Aprendendo? Puxa! Deveria ganhar dinheiro com isso, viu? Você é muito boa... 
Aceitei o elogio. E meio sem jeito disse que nunca tinha pensado naquilo.
Então, Luciana se agachou para falar melhor comigo.
- Olha, sei que não nos conhecemos. Mas sinceramente, seria muito bom conhecer melhor esse seu talento. Tenho uns amigos que iriam adorar comprar seus colares. Pense nisso. Se quiser conversar sobre me procure.
Estendeu a mão entregando-me um cartão, cujo tinha seu telefone.
Dias depois, liguei pra ela e combinei de deixar os colares e demais bijus para ela expor em sua barraca. Com o contato recorrente, passamos a conversar bastante. Tornamo-nos muito amigas. Saíamos juntas, curtíamos praias juntas e nos aventurávamos também... Não desgrudávamos. Ela não ficava com os meninos bonitos que chegavam nela nas festas. E sempre dava pitaco nos que eu escolhia para ficar. Queria dar fora neles por mim, também. Quando a questionava porque não tinha ficado com ninguém, dizia que não queria se envolver com ninguém. E que, por eu ser mais nova, ficava tomando conta de mim. Dizia que homem era tudo safado e só queria saber de se aproveitar da minha inocência. Eu sempre ria dela. Fingia que acreditava naquela história. E adorava essa historinha de proteção. Ela era como uma irmã mais velha pra mim. Luciana nem desconfiava de que eu já tinha sacado qual era a dela! Só não tinha tocado no assunto ainda porque estava respeitando o seu tempo. 
Eu não dependia daquilo para ter renda e viver, mas como o dinheiro que entrava era bom, eu continuava produzindo os acessórios e deixando com ela.
Assim, eu ganhava um extra e guardava para curtir minhas viagens.
Em uma das vezes que fui lá levar o material para a Lu vender, tive a confirmação.
Tinha uma galera curtindo a praia, e uma guria muito bonita foi até a barraca para pedir um saco plástico.
- Olá!
Lu, ao olhar pra ela, ficou muda, imóvel, intacta.
- O... Oi. Pois não? - Respondeu com voz arfada e olhar concentrado na loira.
- Eu... Eu queria saber se você teria uma sacola que pudesse me emprestar?Esquecemos de trazer uma pra recolher o lixo e ...
- Claro que tenho. – Lu respondeu, mas não se mexeu pra pegar o saco. 
Como eu vi que ela não iria sair daquele lance quase hipnótico, fui até o puxa-saco que ficava ao lado do freezer e peguei a sacola para a Lu. As duas ficaram ali se olhando, sem nada dizerem.
Fiquei um tempo olhando as duas, e até tive dó de descongelar aquela cena. Se eu fosse pintora, daria pra completar um quadro com a pintura viva das duas.
Mas tive que acabar com o encantamento sapatônico:
- Com licença... Aqui está sua sacola. – Disse entregando o plástico a moça, mas Lu tirou o saco da minha mão e entrou à desconhecida.
- Lu... Pode me chamar de Lu. – Respondeu minha amiga, assim que a jovem pegou a sacola de sua mão.
- Obrigada... – agradeceu e sorriu convidativamente.
- Fique à vontade. Se precisar de mais alguma coisa, eu faço uns drinks e tenho cerveja.
- Que legal! Vou querer sim. Eu to sentada ali, tá vendo? – apontou para um grupinho que se divertida. – Você faz caipirinha de kiwi?
- Sim... faço sim. Levo uma no capricho pra ti.
- Não precisa levar. É só me chamar que eu venho aqui buscar. 
E completou estendendo a mão e dando aquele sorriso enquanto se apresentava... – Prazer... Ive.
Deu um passo para trás, antes de se virar e caminhar para frente.
Minha amiga continuou ali parada observando a loira se afastar lentamente.
Quando ela voltou do seu mundo e viu que eu estava olhando inquisidoramente, soltou:
- Que foi?
- Vou torcer pra ela te devolver o saco plástico.
E rimos muito num misto de alivio e cumplicidade.
Não preciso nem contar no que deu, não é mesmo? Hoje elas estão casadas e não se desgrudam por e para nada.
Sabe... Eu também queria encontrar alguém que me congelasse e derretesse o coração assim. Mas eu não conseguia parar com ninguém. Tinhas uns rolos com uns carinhas, mas eles só queriam sexo. Às vezes um lance firmava, mas não durava nem dois meses... não sei se eu era exigente demais ou se não sabia escolher. Talvez, tivesse dedo podre para o amor ou talvez não fosse pra ter ninguém mesmo. Sei lá.
Toda vez que me lembrava da história linda das minhas amigas, me perguntava se um dia eu teria alguém assim pra me completar... E lembrava de que eu estava sempre acompanhada, mas com aquele sentimento de solidão.
Até nas viagens que eu fazia, era a mesma coisa. Conhecia uns caras, curtia com eles, mas não passava de flerte e casualidade. Nas festinhas que eu ia com as meninas cheguei a beijar umas meninas. Ficava com algumas, mas não passava disso. Achava que elas também só quisessem algo fortuito. A verdade é que eu nunca me vi interessada de verdade por nenhuma delas. Luciana dizia que eu era lésbica e não sabia. Eu achava graça disso. Como eu podia ser lésbica se sempre estava com rapazes? Ela dizia que um dia eu daria razão a ela. Que apareceria alguma mulher na minha vida, capaz de mexer comigo de tal forma que eu não iria compreender. Só iria querer viver aquilo. E aí seria um caminho sem volta.
Depois de mais uma desilusão amorosa, fui visitar minha mãe e depois resolvi fazer mais uma das minhas viagens pela América Latina. Fui sem ter previsão para voltar. Decidi que não queria mais ter ninguém, por enquanto. Que iria me curtir.
¡Ah se aquellas calles pudiesen hablar! Conheci tantos lugares maravilhosos como Punta Del Diablo, onde fiz algumas amizades; Colonia Del Sacramento e tantos outros. Mas uma hora a gente precisa voltar e encarar a vida de novo. A saudade vai apertando, e ficar longe, embora que em lugares lindo, passa a ser um sofrimento. Quando isso acontece, é hora de voltar e ficar perto de minha mãe e da minha irmãzona novamente.


Acordei assustada com o meu celular vibrando. Olhei para o relógio e vi que eram quase sete e meia da noite!
- Mulher, onde você está? To te ligando e você nada de me atender. – Falou uma voz impaciente do outro lado da linha.
- Em casa.  Que foi? Aconteceu alguma coisa? - Perguntei pra Lu ainda com aquela voz de quem estava bocejando enquanto tentava acordar a consciência.
- Como assim o que foi? O que foi, Sunny? Tu esqueceste da reuniãozinha lá na casa da Flávia?
- Hã..? Ah é. – O desanimo na minha voz era claro.
Tinha esquecido sim. E o que ela tinha que me lembrar? Que coisa! 
- Se arruma, amiga. E nos encontre aqui em casa. Daqui você segue a gente. – Disse Lu.
Fiquei pensando nos prós e contras desse happy e pensei em dar uma chance às amigas da minha amiga. Afinal de contas, depois de umas bebidinhas todo mundo passa a ser conhecido de décadas.
- Me dá uma hora. Já, já to chegando aí.
- Ok. Nada de me dar bolo. Se não aparecer, a gente vai aí te buscar, viu? 
desligou na minha cara de novo.
Às vezes tenho pena da Ive. Essa Lu era muito mandona.


Em cinquenta minutos eu estava parando na porta da casa delas e buzinando.
Assim que me viu ao abrir a porta de sua casa, Ive soltou:
- Que bom que você veio. Tá gatona, hein? Isso tudo é pra advogata? – Disse rindo.
- Você não presta, Ive. - Sorri apenas. E continuei: - Estão prontas?
Ive fez que sim com a cabeça e chamou sua mulher. Lú já veio me sacaneando...
- Amiga... tu tá lindona hein! Flavia vai adorar te ver ass...
- Para com isso, Lu. – Fiquei série e continuei. – Que fique claro que só vou porque vocês iriam me encher a paciência. Então, parem de ficar jogando suas amigas solteiras pra cima de mim, ok? To cansada disso.
As duas ficaram caladas e após se olharem, Ive soltou:
- Tá certo. Vamos?


A moça pra quem eu tinha vendido o colar hoje de manhã foi quem abriu a porta. Foi super receptiva e educada enquanto entrávamos. Primeiro Ive, Lu e em seguida eu.
Flávia saiu da cozinha com um prato de salgados nas mãos e abriu um largo sorriso ao me ver.
- Olha só quem veio! Que bom que aceitou o convite. – Disse enquanto me cumprimentava com um beijo no rosto. Assenti amistosamente com a cabeça e agradeci pelo convite.
Olhei em volta e percebi que estava faltando uma pessoa. Não eram quatro hoje mais cedo na barraca? Não estavam todas lá. Cadê a outra? Como que se tivesse lendo minha mente, Flávia falou:
- Acabou de sair do banho. Está acabando de se arrumar. Já, já ela vem se juntar a nós.
Eu sorri tentando ser indiferente à percepção dela.


Ficamos ali tentando engrenar uma conversa longa, com aquelas perguntinhas soltas do tipo: “E aí, quais as novidades? O que contam de bom? E você?”
Flávia quis saber como andava a vida da Lu e da Ive, já que fazia um tempo que elas não batiam um papo. E eu só observando. Os dois casais falando à beça, com aquela sintonia ... E Flávia sempre olhando atentamente para mim, como um lobo que espera para dar o bote em sua presa. Perguntou o que eu fazia da vida. Respondi que vivia bem. E que era feliz assim. – Não quis abrir muito. E antes que ela pudesse sequenciar suas indagações, chegando talvez, na minha vida sentimental, perguntei onde era o banheiro. Flávia que estava sentada ao meu lado, quase que grudada, só faltou sussurrar em meu ouvido direito:
- Corredor à direita.
Pedi licença e fui. Sabe quando você sente que estão te avaliando? Pois é. Essas mulheres estão terríveis hoje em dia, viu?


Retoquei o batom, ajeitei o cabelo antes de sair do banheiro. Assim que saí daquele cômodo e cheguei no corredor, dei de cara com ela. Algo lhe estava diferente do momento em que a avistei na praia. Seus olhos negros cintilavam e aquele sorriso fazia tudo nela ficar ainda mais bonito.
Ficamos um tempo paradas... uma olhando a outra... tentando talvez dizer tudo que pudesse ser dito através dos olhares... se conectar apenas... e de repente, essa conexão foi cortada por uma voz que atravessou o corredor para ir até a cozinha. Mas ninguém falou com a gente. Mas aquele vulto foi o suficiente para nos tirar do nosso transe. Timidamente falei:
- Oi, Camila.
Ela sorriu e respondeu gentilmente o mesmo. Mas não falou meu nome. E continuamos de novo a ficarmos ali... nos olhando. Até que Flávia, saindo da cozinha e indo pra sala, falou debochadamente:
- Meninas... estamos aqui na sala, viu?
Camila sorriu de cantinho de boca e fez um gesto indicando para a gente ir...


Quando aparecemos, as meninas lançaram alguns olhares curiosos em nós, mas preferi não dar ibope. Afinal de contas, nem as conhecia direito e não tinha que dar satisfação de nada.
Enquanto a conversa rolava, eu me via procurando o olhar dela, e sempre que os dela encontravam os meus, ela disfarçava. Flavia também estava atenta em nós.
Talvez estivesse analisando o terreno... se poderia continuar as investidas em mim ou se teria que disputar com a amiga. Ao mesmo tempo que pensava nisso, também achei que... Bom... deve ser coisa da minha cabeça. Deixei pra lá.
Lena, que já estava bem alegre da bebida, me perguntou descaradamente:
- E você não tem namorada?
Flávia e Camila ficaram atentas a minha resposta.
- Não.
- Mas já teve?
Monica beliscou Lena... que soltou um grito de protesto. Dei uma risada, disse que estava tudo bem. Olhei antes pra Lú e falei:
- Saí com umas por aí. Isso responde a sua pergunta? - Falei enquanto dava uma golada na cerveja.
Flávia e Camila só prestavam atenção.
Para cortar o assunto, Lu me perguntou:
- Sun, me conte... como foi sua aventura no Uruguai?
- É verdade! Ive comentou que você ficou meses fora. Que foi de mochileira pra lá. – Falou a advogada.
- Ah sim! Foi uma viagem maravilhosa. Fiquei três meses andando por lá.
- Foi pedindo carona?
- Não não... eu fui de moto. Coloquei algumas coisas na mochila e no bagageiro e fui. – Respondi a pergunta da Mônica.
- E é confortável ir pra tão longe de moto? Indagou Lena com olhar de ciúmes pelo interesse de Mônica.
- Sim.. a minha é bem confortável e econômica...
- Vocês precisam ver, meninas! Essa moto é o xodozinho dela. Tem até nome a bicha!!! – Disse Lu curtindo com a minha cara a Lu.
- Ah é? E como se chama? - Perguntou Flávia.
- Midnight. - Respondi.
- Midnight não seria uma marca?
Olhei pra ela com encantamento, pois ela tinha sido a primeira pessoa que não debochava do fato de como chamava minha motoca. Olhei pra ela e respondi sem piscar:
- Sim. É uma XVS 950. Vinho.
Ela sorriu...
– Acho linda.
- É sim...
- Eu sempre tive vontade de ter uma... Mas Sandr...- Fez uma pausa... Os olhos marejaram... E continuou: - Deixa pra lá.
- Quem? -  Perguntei por não entender a pausa...
E Flávia, para cortar o eminente climão, me perguntou:
- E foi de moto sozinha?
- Sim. Curto viajar. Gostaria de que tivesse alguém que topasse me acompanhar às vezes, mas mesmo não tendo, eu vou assim mesmo.
Flávia respondeu com um sorriso largo e oferecido...
- Eu gosto de viajar... se quiser companhia...
- Pode deixar... – respondi e voltei a buscar a atenção de Camila... perguntei despretensiosamente.
- Você gosta de viajar de moto?
- Gosto de viajar, mas de moto.. acho que não teria coragem.
- Tente um dia. É uma sensação de liberdade maravilhosa.
Nós duas ficamos ali nos fitando novamente... ela tímida e eu querendo que ela falasse mais.
- E como foi? – Perguntou Flávia nos cortando novamente. Me parecia que ela queria atenção também.
- Foi muito bom. Conheci bastante gente lá e me diverti muito. Tem uns bares e festinhas em Montevidéu que são bem divertidos. – Respondi, mas sem fitá-la por muito tempo – E continuei:
- Mas eu cansei de ficar tanto tempo longe de casa e voltei. Aliás, eu sempre volto para as pessoas que amo, não é Lu?
Camila abaixou a cabeça assim que falei. Aquele gesto continha algo que não conseguia mensurar... desespero e dor, talvez... Ela, ainda de cabeça baixa, levantou-se rapidamente enquanto pedia licença e foi para a cozinha.
Flávia levantou em seguida e foi atrás da amiga.
Fiquei ali sentada sem entender nada... e quando ia perguntar o que tinha acontecido, Monica falou baixinho:
- Deixa eu te explicar rapidamente... Camila perdeu a esposa em uma viagem. E isso tem mais de dois anos. E até hoje ela não soube do paradeiro.
Eu fiquei calada... Internalizando... imaginando a dor que ela devia sentir.
Imaginando o quanto devia ser difícil para ela... e percebendo que agora tudo fazia mais sentido... isso explicava aquele olhar triste, com pedido de socorro...
E então, percebi que havia dado uma mancada. Sabia que não podia me culpar, pois não havia falado nada por mal. No entanto, eu não podia aceitar que ela tenha ficado abalada por uma frase minha, e mesmo assim, não fazer nada para me desculpar. Pedi licença às quatro na sala, levantei e fui até a cozinha.
Presenciei Flávia conversando com Camila, que estava ainda de costas para a amiga, na busca de evitar ser olhada naquele estado.
- Camila... Eu sei como deve ser complicado pra você estar entre amigos e acabar lembrando dela...
- Flávia... Eu simplesmente não a esqueço... Eu não consigo... Não consigo. Você viu? Tudo me faz lembrar a Sandra. Meu Deus, tudo!
Levou as mãos à cabeça como sinal de desespero.
Flávia a abraçou por trás tentando confortá-la o máximo que podia... Segurou-a pela cintura enquanto a conduzia para virar e dar-lhe um abraço. Ela foi abraçada pela amiga, que acrescentou:
- Você está se cobrando demais, não acha? Ela não sabia da história...
- Não sabia... Mas a essa altura já devem ter contado... – retrucou Camila.
- Sim... Contaram. - Falei ao mesmo tempo que o rompimento dos corpos das duas acontecia.
Ela virou-se de costas pra mim no intuito de esconder o choro.
Flávia beijou um dos ombros da Camila e fez sinal pra eu ficar enquanto ela saia.
Agradeci com a cabeça e aguardei Flávia sair completamente da cozinha.  
Cheguei perto... Parei atrás dela... Senti o aroma que vinha de seus cabelos ainda um pouco molhados...  Pensei no que falar... Nada vinha... Sabia que tinha dito algo que a tinha machucado muito.
Respirei fundo...
Toquei em seu ombro esquerdo... E falei:
- Hey... Camila...
Ela não se mexeu...
- Camila, por favor... - Pedi mais uma vez.
Ela hesitou mais um pouco, mas virou-se para mim lentamente. Os olhos mirando o chão. Segurei seu queijo suavemente e conduzi seu rosto até que ela me olhasse...
Ficamos a um pouco mais de dez centímetros uma da outra...
Ela me olhou nos olhos e depois para minha boca...
Eu a correspondia...
Sequei uma de suas lágrimas... E falei:
- Sinto muito. Não era minha intenção te deixar assim. - Deixa eu te dar um abraço?
Sorri pra ela... Que permaneceu me olhando, me analisando...
- Posso? Insisti:
Ela se aproximou e me abraçou forte.
Foi um momento único pra mim em todos os aspectos... aquela mulher estava mexendo comigo e isso era um fato. Dar um abraço terno nela florescia em mim o mais puro sentimento de paixão... meu coração parecia soltar pela boca... e quando senti aquela pelo do seu rosto tocando meu pescoço, desejei que o contato se eternizasse.
Ficamos ali grudadas... paradas enquanto nossa respiração se tornava única... ela se acalmava em meu ombro a medida que eu acariciava sua nuca lentamente. Era mágico sentir meu corpo responder ao contato do corpo dela.
Eu nunca havia percebido qualquer interesse por garotas antes... não daquele jeito.
- Camila! --- Falei ainda grudada ao corpo dela. – Quer dar uma volta comigo?
Ela levantou sua cabeça lentamente... olhou-me atentamente e perguntou:
- De moto?
Fiz um sinal afirmativo e sorri pra ela, cujo não hesitou em negar. Secou seus olhos com as costas das mãos... e disse:
- Vamos!
Puxei-a pelas mãos conduzindo-a até a porta do apartamento... As meninas, que estavam na varanda, conversando baixinho como se quisessem nos esconder os comentários, nos olharam com espanto... Antes que alguém perguntasse, eu avisei que iria lá fora com a Camila para conversarmos... Saímos sem olhar para trás.


Peguei o 2º capacete no bagageiro e coloquei nela... ajustando e apertando a fivela. O contato das nossas mãos me deixava ansiosa. Subi na moto... liguei... e estendi minha mão pra ela subi também. Quando Camila se ajeitou e entrelaçou minha cintura, aquele corpo colado em minhas costas despertou sensações únicas em mim...
- Tá pronta? – minha voz saiu abafada pelo capacete. Ela fez sinal de ok com os dedos e se apertou ainda mais em mim.
Sob os olhares curiosos das meninas na varanda... acelerei e parti sem nenhum lugar em mente.
Ela se ajustava ao meu corpo a cada curva que eu fazia. Podia sentir seus arrepios causados pelo vento gelado que confrontavam aquele rosto... Nada falamos... Não era necessário. Apenas sentíamos o que o momento queria nos proporcionar de mais íntimo, único, particular.
Passeei com ela por algumas ruas da cidade. Até chegarmos à praia dos Zimbros... ficamos um pouco ali olhando o mar... apenas respirando juntas... perguntei se ela queria continuar, e ela disse que sim. Então, fui margeando a costa por Morrinhos, Canto Grande, até pararmos na Praia do Maríscal. Nas vistas mais belas, eu parava de frente ao mar, mas não descíamos da moto.
Apenas a deixava admirar as ondas e ouvir o som do duelo entre as águas e a areia... Era lindo vê-la sorrir quando admirava a paisagem... Nunca havia tido aquela sensação que enaltecia e acalentava meu peito, num misto de medo e curiosidade, de quero mais... O que estava acontecendo? Seja lá o que for isso, sei que é bom. E queria sentir mais... Muito mais.
De frente à ultima praia visitada, descemos da moto e ficamos sentadas na calçada admirando o mar. O silencio era quebrado pelas ondas quebrando, como se quisessem me dizer que o que eu deveria fazer ou perguntar... Mas eu tinha receio de falar algo que a chateasse. Precisava ter mais tato. Diante do que soube sobre sua história, decidi esperar que ela falasse algo. E foi isso que ela fez... ainda olhando pro mar...
- Sunny... obrigada pelo passeio. E desculpe por mais cedo...
Nossos rostos se encontraram...
- Camila... não tem que se desculpar de nada. Te entendo. Fico feliz que tenha aceitado meu convite. Você gostou?
- Andar de moto com você foi muito agradável. – Sorriu.
Voltamos a ficar em silencio... Queria que ela tomasse as atitudes para não parecer que eu estivesse forçando algo.
- Sabe, Sunny... não tem sido fácil pra mim ter que enfrentar isso. Às vezes, tenho vontade de sumir do mapa... assim como ela fez. - Uma lagrima descia de seus olhos... fiquei observando... deixando-a à vontade. Ouvi-la me fazia tão bem.
- Confesso que, pela primeira vez em anos, me senti outra pessoa enquanto
estava na moto contigo. Me fez bem.
Foi difícil conter a minha emoção também... mas consegui, apesar de ao falar, demonstrar isso em minha voz embargada.
- Sei um pouco do que você passa. Quando perdi meu pai em uma missão militar, senti esse desespero. Eu e minha mãe tivemos de esperar semanas até o translado dele pro Brasil. Nesse meio tempo a sensação era de perda do rumo, das esperanças no futuro. É por isso que te entendo... você nem teve como se despedir dela.
Ela abaixou a cabeça... achei que ela fosse explodir em choro... mas não. Apenas segurou minha mão e disse que estar ali naquele momento, e comigo, era forma de aliviar-se de uma tensão de anos. Que se pudesse, faria aquilo mais vezes.
- Toda vez que você vir pra cá, se quiser, estarei às ordens. – Disse e a abracei de lado, puxando-a pra mim. Nossas bocas ficaram próximas por centímetros... os olhares se buscando como em um pedido visível para que o contato acontecesse.
Eu deveria me permitir? Mesmo sabendo que ela ainda estava ligada totalmente a outra pessoa? Não queria me ferir nem ser algo passageiro na vida dela, pois o que aquela mulher estava causando em mim, podia sentir, não era um sentimento meteórico. Estava criando raízes tão rápido que me dava medo.
Então, cortei o momento...
- Você tá toda arrepiada de frio... vamos voltar?
Ela voltou a si e disse:
- Não queria voltar... de verdade. Mas realmente estou com frio.
Levantamos, colocamos os capacetes novamente e subimos na moto.
No caminho, segurei as mãos dela e as conduzi da cintura até a altura do meu peito... indicando que queria ela mais próxima do que já estava e que assim, ela ficaria mais aquecida.
- Assim ficou tão bom... - Ela disse.
Alisei suas mãos com o intuito de esquentá-la ainda mais um pouco... Como que automaticamente, ela se aninhou mais em mim.
Pedi para ela que ela continuasse a me abraçar com força, enquanto eu andava lentamente com a moto, voltando pela extensão da Avenida Governador Celso Ramos. Eu podia sentir sua cabeça encostada em meu ombro direito enquanto ela apreciava o mar... Não queria que aquele passeio terminasse... Não queria me separar dela... mas como isso seria inevitável, fui o mais devagar que pude...
Até que paramos em frente ao apartamento da Flávia.
Ainda em cima da moto, dei a mão a ela para que pudesse descer enquanto a admirava mais um pouco. Ao desligar e descer da moto, Camila pegou nas minhas mãos e disse:
- Foi maravilhoso!  Muito obrigada.
Sorriu...
Retribui à mais perfeita pintura facial dela, respondendo:
- Eu que agradeço por você ter confiado em mim.
Ficamos nos olhando ainda de mãos dadas... Por quanto tempo? Não sei!
Parecia eterno. Até que Lu e Ive apareceram na porta, já se despedindo para irem embora.
O rompimento das mãos não foi brusco... muito pelo contrário... foi lento, selado de cumplicidade e ternura... como se fosse um pedido para que aquele momento não acabasse, para que não nos separássemos.
Ainda nos olhando, fazendo uma força sobrenatural para não parecer que eu já estava de quatro por ela, falei baixinho...
- Tudo bem. Vai lá...
Ela se aproximou ainda mais de mim, para logo em seguida me abraçar. Ação que gerou todos os tipos de arrepios em meu corpo... e em meu ouvido, sussurrou:
- Quero te ver amanhã... – deu uma pausa e completou - Na praia.
Se afastou e foi pra perto da Flávia, que estava na porta junto com minhas amigas.
Ive entrou no carro lançando-me um sorriso cheio de significado, enquanto eu subia na moto e Lu vinha em minha direção...
- Amanhã eu quero saber de tudo, mocinha! Me deu um beijo e entrou no carro.
Busquei o olhar da Camila mais uma vez... Sorri... Liguei a moto... Acelerei e segui com o pensamento nela. 
  


postado originalmente em 24 de Abril de 2013 às 18:00
.

13 comentários:

  1. M A R A V I L H O S O...

    Uau...

    Q capitulo...

    ResponderExcluir
  2. perfeito,estou amando ,já quero que chegue quinta logo,parabéns pras duas,parceria incrível!!!!bjão!!

    ResponderExcluir
  3. Que delícia!!!

    Está simplesmente M A R A V I L H O S A essa história!!!!

    PARABÉNS!!!!

    Falta muito para a próxima quinta-feira?

    Grande beijo.


    Amélia Bouvié

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Querida Amélia... não falta muito para a próxima semana! É só vc considerar que a cada dia que passar faltará um a menos! rsrs
      Essa história está sendo feita com muito amor e dedicação. Pessoas como vc me fazem continuar escrevendo!!! Obrigada viu???
      Espero que continue curtindo o conto!!!!
      Bjs
      J.Hunter.

      Excluir
  4. Ahhhhh nao! Sera que vai comecar tudo de novo?!!! Eu estava firme no meu proposito: "so por hj nao vou ler contos maravilhosos e bem escritos, que me viciam no primeiro capitulo" Acabou o jejum de quase 4 anos! Kkkkk Parabens meninas! E por favor nao demorem. Bjks

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ahhh quebrou o jejum por uma causa maior!!! rsrsrs Obrigada pelo carinho!!!
      Quinta que vem tem mais!!!!!
      Bjs
      J.Hunter

      Excluir
  5. Muito bom... Parabéns meninas, já vi que é mais um pro meu rol de favoritos!

    ResponderExcluir
  6. Já estou apaixonada pelas duas, parabéns sempre lindas palavras e sentimentos bem descritos.

    ResponderExcluir
  7. meu deus !!!!!
    ai falta muita ainda para próxima semana :(
    tirando isso , ta muito bom já to xonada pelas duas rs .

    ResponderExcluir
  8. Eu disse que ia ser tão perfeito quanto o primeiro episodio, está perfeito meninas mesmo, parabéns jennyfer muito bom mesmo! Agora é só esperar mais uma vez --' mil anos! beijo

    ResponderExcluir
  9. Diedra querida, estou aqui pra te dizer que vc é minha "chakubuku" kkk.
    essa semana passeando pelo seu blog comecei a ler amor a qualquer preço e simplismente ameiiii.
    fiquei mto interessada no budismo e posso te afirmar que nunca nada me fez tão bem, é exatamente o que eu precisava.
    ainda não sei mto, tudo que sei li va internet e tb vi uns videos no youtube, mas estou encantada.
    qualquer material que vc tenha que possa me ajudar nessa descoberta, sará mto bem vindo.
    tenho uma imensa admiração por vc,amo seu trabalho, vc é uma escritora incrivel.
    bjos.

    ResponderExcluir
  10. Jenny vc é muito abençoada para escrever um capitulo maravilhoso assim, me encheu completamente os olhos , vc é brilhante e nos fascina com este talento todo que tens.

    Diego Aparecido

    ResponderExcluir
  11. Fico tão feliz por você ter me conduzido até seu blog... Eu enviei o link de "dez coisas que eu odeio em você" e as meninas, minhas amigas e amigas delas, ficaram loucas... Leram tudo em dois dias. Algumas delas liam até mesmo durante as refeições. Agora estou lendo essa história e já estou amando o mistério de Sandra.

    ResponderExcluir