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quinta-feira, 18 de abril de 2013

AH... SE TODAS FOSSEM SANDRA!


Romance de Diedra Roiz e Jennyfer Hunter.
Postado de 18 de Abril a Agosto de 2013.
Sunny por Jennyfer Hunter
Camila por Diedra Roiz




PLÁGIO É CRIME! NÃO COPIE, CRIE! 
Este texto não caiu do céu, é resultado de MUITO trabalho.
Todos os direitos reservados. 

Proibida a reprodução, adaptação ou disponibilização para download,  no todo ou em parte, através de quaisquer meios, sem a autorização da autora. 
Lei de Direitos Autorais nº. 9.610/98



Lembrando que... Copiar a história apenas trocando o nome das personagens não é fanfiction nem adaptação, é plágio. Por favor, não façam isso, ok?





SINOPSE
Depois do desaparecimento de Sandra, há mais de 2 anos, Camila vive mergulhada em luto, desespero e na incerteza de não saber o que aconteceu. Apesar de suas amigas insistirem para que siga em frente, ela se recusa a aceitar que perdeu a mulher que amava para sempre. Até que, durante um feriadão em Porto Belo, tem todas as suas estruturas abaladas ao conhecer Sunny, mulher descolada, independente e irresistível, mas que traz uma surpresa incômoda.




MÚSICAS QUE INSPIRARAM A HISTÓRIA:




OBSERVAÇÃO SUPER IMPORTANTE:  
Este é um "conto musical", recomenda-se ouvir as músicas indicadas para melhor aproveitamento da leitura dos capítulos.




 .

CAPÍTULO 01


Músicas que embalam o capítulo: 

Não me deixe nunca mais: 



Camila - Diedra Roiz

Saí do banho inteiramente nua, enxugando os meus cabelos com uma toalha. Assim que entrei no quarto avistei Sandra na frente do armário aberto, apenas de sutiã e calcinha, segurando três vestidos diferentes. Assim que me viu perguntou:
- Qual você prefere? Esse? Esse?
Meu sorriso não foi apenas divertido.
“Linda! Tão linda a minha mulher! Gostosa e... Absurdamente indecisa!” – pensei.
Nem percebeu meu olhar indiferente aos pedaços de pano que ela me mostrava:
- Ou esse?
Toda a minha atenção estava voltada para... Onde mais? Ela.
- Tanto faz, amor. Você fica maravilhosa com todos. Mas melhor ainda sem eles...
Avançando com uma rapidez que Sandra não esperava, trouxe-a para os meus braços, minhas mãos puxando-a pela bunda perfeita, colando nossos corpos enquanto minha boca já se deleitava no pescoço, subindo em direção ao ouvido com a certeza de que causaria a reação de sempre. Ela não me decepcionou, contorceu-se em uma série de arrepios que me deixaram ainda com mais vontade.
- Ai... – foi mais uma exclamação dengosa de prazer do que um protesto.
Não fez o mínimo movimento para desvencilhar-se. Muito pelo contrário.  Eu não vi, mas soube que Sandra havia deixado os vestidos caírem no chão quando as mãos dela surgiram em minhas costas, uma delas acariciando toda a extensão e subindo até tocar em minha nuca, coisa que ela sabia ser infalível.
- Uhm... – foi a minha vez de me arrepiar e gemer, enquanto tomava os lábios dela com os meus. O simples contato causou uma sensação de prazer incontrolável:
- Deliciosa... – sussurrei de encontro à boca que se abriu para melhor me receber. Só deixei de sugar os lábios de Sandra para enfiar a língua entre eles.
Ela suspirou antes de sussurrar roucamente:
- Vamos nos atrasar... - minha resposta foi conduzi-la até à cama, onde a fiz se deitar e praticamente pulei em cima dela, que riu, evidentemente feliz com a minha voracidade: - Ah... Você é tarada, Câmi...
A resposta estava em minhas mãos que, depois de abrirem e tirarem o sutiã, também a livraram rapidamente da calcinha:
- Só por você, meu bem.
E na língua que desceu com pressa, desenhando uma trajetória incontrolavelmente ardente na pele embaixo da minha, rumo a um destino certo.
- Ai... Isso, meu amor... Assim... Ahn...
Foi a primeira de muitas frases, gemidos e sussurros... Que pouco a pouco foram se tornando mais e mais desconexos, durante todo o tempo que a minha boca e os meus dedos permaneceram entre as pernas dela.


Acordei num misto de espasmo e grito, sentando na cama sem que a sensação de afogamento passasse. Passei as mãos nos cabelos ensopados de suor, tentando fazer com que a minha respiração acelerada voltasse ao normal. Acendi o abajur na mesinha de cabeceira e olhei para o lugar vazio ao meu lado na cama como se quisesse me certificar daquilo que há mais de dois anos eu já sabia, mas ainda não acreditava nem conseguia me conformar: Sandra não estava mais lá. 


- Camila... Me ouve... Você não pode continuar assim pra sempre!
O desespero na voz de Flávia não me comoveu:
- Se foi pra isso que você me ligou tá perdendo seu tempo.
Ela suspirou profundamente antes de afinal dizer:
- Seja razoável. Só um pouquinho, uhn?
Dessa vez fui eu que suspirei:
- Por que isso agora?
Indubitavelmente, Flávia estava longe, muito longe de ser perfeita. Mas era minha melhor e mais querida amiga desde os tempos da faculdade. E a única que não fingia que estava tudo bem:
- Porque eu não aguento mais te ver desse jeito.
O amor indiscutível na voz dela me fez hesitar, mas não mudar de ideia:
- Eu sei que você tá pensando que essa viagem pode ser um ritual de passagem, uma expurgação ou sei lá o que, mas de verdade? Pra mim vai ser apenas um grande sofrimento. É muito difícil estar com vocês, como era antes, e... Sem ela. Compreende?
Foi incontrolável: na mesma hora as lágrimas escorreram. Peguei a caixa de lenços de papel que estava sempre à mão na primeira gaveta da minha mesa - já que precisava dela sempre – e enxuguei o rosto em vão. Tinha acabado de puxar o segundo lenço quando Flávia deixou claro que sabia exatamente o que eu estava fazendo:
- Pelo amor de Deus, Camila! Para com isso! Nada mais é como antes, será que você não vê? Eu e Lena nos separamos, ela vai com a nova mulher, que até hoje você nem se deu ao trabalho de conhecer! As coisas mudam, as pessoas caminham... Pra frente! A única que continua parada no mesmo lugar é você!
A raiva veio... Dura, áspera, violenta. Mas eu a controlei. Com a destreza de quem, naqueles últimos anos, tinha sido obrigada a fazê-lo inúmeras vezes. Falei baixo, entre os dentes:
- É a mulher que eu amo. Vou estar aqui esperando, até ela voltar.
Era tão difícil assim entender? Ou se colocar no meu lugar? Com certeza! Pois se até para mim parecia surreal demais, imagine para os outros... Como tentar sequer começar a explicar? Impossível! Só me restava o silêncio. E a questão que martelava minha mente diversas vezes todos os dias: “Por quê? Por quê?”
Cruel ironia do destino, talvez.
- Já se passaram mais de dois anos, Camila. A Sandra não vai voltar.
De novo, a ladainha de sempre, que eu já estava cansada de ouvir das pessoas mais diferentes: policiais, psicólogos, psiquiatras, familiares, amigos e até desconhecidos:
“Não havia corpo, nem sangue, porém as malas, a bolsa dela com os documentos e objetos pessoais... Estava tudo dentro do carro abandonado no meio da estrada e a porta do motorista aberta.”
Mas não havia nada que pudesse me fazer acreditar que ela estivesse... 

Nem em pensamentos eu seria capaz de completar a frase.  Contestaria até que me provassem o contrário:
- Você não sabe. Ninguém pode afirmar com certeza.
Houve uma pausa, onde Flávia pareceu pesar se deveria mesmo dizer o que acabou dizendo:
- Não acha que se a Sandra estivesse viva já teria dado algum sinal de vida?
As palavras subiram, do meu útero talvez... Foram vomitadas, cuspidas de um jeito vociferado que nada mais era que a expressão do meu real desespero:
- Eu não sei!
O choro que se seguiu foi convulsivo. Imediatamente, Flávia falou:
- Tô indo praí.
E desligou. Sem me dar chance de implorar para que ela me deixasse sozinha. Em paz era impossível. Pelo menos enquanto eu não soubesse o que havia acontecido.


Uma semana depois, mesmo sem conseguir explicar ao certo como, me vi dentro do carro de Flávia - ela dirigindo comigo ao lado e Lena com a atual mulher atrás – saindo de Blumenau a caminho de Porto Belo, mais exatamente para o apartamento de Flávia na Praia de Bombas. Não me sentiria mais miserável se estivesse indo para a cadeira elétrica.
- Será que a “co pilota” pode botar uma música?
Por sorte os óculos escuros que nós duas usávamos impediu que Flávia fosse fulminada pelo olhar que eu lhe lancei. Absolutamente imune à minha óbvia falta de bom humor, ela acrescentou:
- Aí no porta luvas tem um monte de CDs.
Pelo bem de todas e felicidade geral da viagem, peguei um dos porta CDs exatamente como ela me pediu. Mas Flávia era Flávia – sempre! – claro que sabia que eu não estava com a menor vontade de escolher:
- Bota o “Bailão do Ruivão”!
Do banco de trás, Lena e Mônica aquiesceram:
- Esse é ótimo!
- Perfeito!
Não seria eu a estraga prazer. Enfiei o CD e a primeira faixa já entrou rasgando: “Venus”, fazendo o carro balançar com o tamanho da animação – para mim muito mais que exagerada - das três.
- Vamos abrir os trabalhos? – Lena perguntou, já com a tampa da caixa térmica que tinha nos pés levantada e colocando uma latinha de cerveja na minha mão antes que eu pudesse responder.
Ouvi o ruído das duas latas que ela e Mônica abriram lá atrás, mas fiquei olhando para a minha, incapaz de fazer o mesmo. Não queria beber, por que... Nada de bom poderia acontecer se eu perdesse o pouco controle que eu ainda achava que tinha sobre mim mesma.
- Bebe, sua filha da puta! Por mim, hein? – Flávia falou pousando a mão no meu ombro, com o carinho rude que era a cara dela. Sem que eu precisasse falar nada completou, deixando claro que estava acompanhando os meus pensamentos: - Relaxa. Eu tomo conta de você.
Não seria a primeira, muito menos a última vez.
- Vamos lá, Camila! Você tá entre amigas, né? – Lena enfiou a cara entre os dois bancos e me deu um beijo estalado na bochecha.
Devolvi o sorriso dela ao concordar:
- Ok.


Quase duas horas e incontáveis latinhas depois - eu já estava cantando e dançando com elas, aliviada pela alegria artificial que a cerveja me proporcionava – chegamos.
Carregamos tudo para o apartamento. Flávia indicou para Lena e Mônica:
- Vocês ficam nesse. 
O quarto onde eu e Sandra sempre ficávamos. Lena dormia no quarto de Flávia, com Flávia, obviamente. Antes de... Antes de quê? Ri sem saber ao certo o porquê.
- Eita, Camila! Você tá bem?
Segui atrás dela puxando minha mala:
- Sei lá. Me diz você.
Flávia não respondeu. Entrou no outro quarto, soltou a própria mala e atirou a frasqueira em cima da cama de casal. Isso me fez perguntar:
- Tá. E eu?
Ela me olhou como se a pergunta fosse a mais absurda do mundo:
- Aqui comigo, onde mais?
Na mesma hora recusei:
- Sério, Flávia... Eu não quero atrapalhar... Mesmo!
Minha reação não era, nem de longe, por pensar que poderia acontecer algo entre nós. Já tínhamos dormido na mesma cama muitas vezes antes, nada a ver. Mas Flávia era e sempre tinha sido conhecida e assumidamente “pegadora” e, agora que estava solteira, não seria eu a empatá-la.
Ela gargalhou, como se pudesse ler meus pensamentos:
- Meu amor, esse findi eu quero só você!
Fui eu que ri dessa vez:
- Até parece, né? Te conheço!
Incapaz de negar, Flávia apenas abriu os braços em desistência:
- Tá... Eu sei que o meu passado me condena, mas... Não vou te tirar desse quarto! Prometo!
Ela cruzou os dedos e os beijou solenemente. Eu não me dei por satisfeita:
- Isso é o maior dos absurdos! E se você ficar com alguém?
Com um sorriso absolutamente malicioso, Flávia piscou:
- Não se preocupa. Sabe que sempre dou o meu jeito... Agora vem comigo, vem... Que a praia nos espera! – dizendo isso, Flávia me guiou pelo corredor. Estávamos de biquíni por baixo, Lena e Mônica tinham ido colocar os delas. Esperamos alguns minutos antes de Flávia finalmente bater na porta e perguntar:
- E aí, vocês vem ou não vem?
A voz de Lena soou inconfundivelmente ofegante. Era óbvio o que as duas estavam fazendo lá dentro:
- Vão na frente... Depois nós encontramos vocês.
Com um suspiro, Flávia virou-se para mim:
- Eu sabia!
Deu de ombros e riu, com uma tranquilidade que me fez questionar:
- Você não se...?
Nem precisei completar:
- Nós sempre fomos amigas. Não é porque nos separamos que vamos deixar de ser. Além disso, eu gosto da Mônica. Ela é muito melhor pra Lena do que eu. Entende?
Sacudi a cabeça negativamente:
- Não muito, mas... Se tratando de você... O que há pra entender?
Esquivei do tapa que ela ameaçou me dar, apenas para esbarrar na TV:
- Viu, só? O castigo vem a cavalo! Bem feito!
Rimos juntas, como há muito tempo não fazíamos. E aquilo foi como um bálsamo, reconfortante mesmo. E ao mesmo tempo terrível porque... Me sentir bem parecia uma forma de traição. Meus olhos se encheram de lágrimas e eu não consegui contê-las.
- Acho que eu não deveria ter vindo. Vou acabar estragando o feriadão de vocês...
Só percebi que Flávia havia se aproximado quando ela me envolveu com os braços:
- Deixa de besteira, viu? Não teria a menor graça sem você.
Enxuguei com as pontas dos dedos o colo dela que eu havia molhado sem querer:
- Só vou atrapalhar... Eu sei...
A força com que ela me abraçou contrastou com o tom de voz que usou. Completamente meigo, doce, suave... Quase ao extremo:
- Camila, Camila... Você só atrapalha a si mesma. Que diabo de cabecinha dura! – para ilustrar o que dizia, deu três batidinhas de leve com os nós dos dedos. Pareceu voltar ao normal depois do sorriso que esbocei: - Agora chega! Vamos, antes que eu comece a chorar também!


Só alugamos um guarda sol e duas cadeiras, pois segundo Flávia:
- Sabe-se lá se aquelas duas vão mesmo aparecer.
A primeira coisa que fez assim que se livrou da canga foi chamar:
- Ei, Ive! Ive!
Eu já havia tirado minha saída de praia e estava aproveitando a brisa do mar confortavelmente sentada em uma das cadeiras. Tinha passado protetor solar antes de sairmos, enquanto Flávia “recarregava” a caixa térmica com gelo e cerveja. Parei de admirar o mar esverdeado e transparente para observar a loira super bronzeada que saiu do bar atrás de nós e se aproximou rindo e de braços abertos:
- Flavinha! – abraçaram-se enquanto ela dizia de um jeito bastante íntimo: - Sumida, hein?
Levantando os ombros e inclinando a cabeça um pouco de lado com um sorriso, Flávia justificou:
 - Trabalhando muito, sabe como é...
- Fazer o que, né? - a mulher disse antes de ir buscar as duas cervejas que pedimos.
Flávia não a acompanhou com o olhar. Virou-se pra mim como se nada tivesse acontecido:
- Só tem cerveja fraca... Que se dane! Só duas latinhas pra dar um brilho até as nossas ficarem no ponto.
Eu não me aguentei:
- Você e ela...?
A resposta veio estranhamente baixa, como se Flávia não quisesse ser ouvida por mais ninguém:
- Só uma vez. Mas foi antes dela casar com a Lu e as duas abrirem o bar, ok? – ela parou um pouco, franziu a testa e indagou: - Como...?
Desnecessário completar. Foi rindo que afirmei o óbvio:
- Te conheço...
Depois de me mostrar o dedo médio, Flávia caminhou em direção ao mar:
- Já volto!
Me recostei e fiquei observando ela entrar na água e mergulhar. Inconscientemente olhei para o lado, apenas para que o sorriso e o comentário que eu tinha nos lábios morressem ao se depararem com a cadeira vazia.
Não permiti que o sentimento me tomasse, ri de mim mesma, lutando contra ele enquanto enxugava as lágrimas que escaparam.
- A água tá ótima! – Flávia parou em pé na minha frente para se secar no sol. – E a nossa cerveja?
Abri a caixa térmica e confirmei o que já desconfiava:
- Trincando!
Ela não pediu, ordenou:
- Então passa pra cá!
Peguei uma pra ela e outra pra mim. Ainda estávamos ali, bebendo, jogando conversa fora e aproveitando a praia, quando Lena e Mônica chegaram, alguns minutos depois. Rapidamente, Ive providenciou mais um guarda sol e duas cadeiras.
Mônica perguntou:
- Quanto é?
E Ive respondeu com um sorriso muito mais que simpático:
- Podem acertar quando forem embora. Fiquem à vontade!
De onde eu estava, vi perfeitamente quando Lena levantou uma das sobrancelhas e olhou para Ive com uma expressão nada amigável.
- Traz o cardápio pra gente, linda? – Flávia pediu, absolutamente rápida.
Assim que ela se afastou, Mônica intimou:
- Amor, vamos na água.
Lena a seguiu até o mar, onde pararam uma de frente para a outra, imersas até a cintura. Pelos gestos e postura corporal das duas era óbvio que estavam tendo uma conversinha... Não muito cordial. O fato também não passou despercebido por Flávia:
- Será que a Lena nunca vai aprender?
Disse e se sentou na cadeira ao meu lado.
- Digamos que... Você fez a auto confiança dela ficar um tanto quanto... Baixa. Né?
Terminou a latinha de cerveja que estava bebendo e colocou dentro de um saco plástico enquanto respondia:
- Eu? Mas eu nunca fiz nada! Você sabe melhor do que ninguém.
Eu tive que rir:
- Concretamente não, mas...
Ela não me deixou terminar a frase:
- Mas...?
Estendi a mão e ela me passou a sacola-lixo, onde coloquei minha própria lata:
- Ah, Flávia... Fala sério, né? As mulheres davam em cima e você nunca cortava. Muito pelo contrário, até incentivava.
Depois de um suspiro e uma pequena pausa, ela deu de ombros:
- Tá. Vamos dizer que eu tenha errado e...  Exatamente por isso eu e Lena estamos separadas. É passado. Morto e enterrado. O que a Mônica fez? Me fala?
Olhei diretamente para Flávia ao dizer:
- Nada. Sobrou pra coitada aturar a mulher que você deixou traumatizada.
Mas ela não estava mais prestando atenção em mim. Acompanhei o olhar boquiaberto de Flávia... Fixo em uma morena maravilhosa que ondulava pela areia carregando pulseiras, colares e outros tipos de artesanatos. Veio em nossa direção e parou. Eu também não consegui desviar o olhar.
- Que lindo esse! Quanto é?
Só depois que ela perguntou percebi que Mônica tinha voltado.
- Quinze.
Respirei fundo e me forcei a olhar para baixo. Eu não queria, não podia, mas... Meus olhos não respondiam mais ao meu comando, subversivamente procuravam mais detalhes. A tornozeleira trançada com contas em diversos tons de amarelo que enfeitava a perna direita bem torneada, a barra do vestidinho curto que não chegava nem na metade das coxas fartas, a cartucheira dupla de couro na cintura, as duas rodelas na altura dos seios indicando que, por baixo, o biquíni estava molhado, a tatuagem no braço esquerdo, subindo pelo ombro: pequenas rosas vermelhas com folhas verde escuras interligadas por um caule preto fino, cheio de espinhos e os olhos... Que olhos! Claros, de uma tonalidade indecifrável, fixos em mim. Ela também me avaliava.
- Não faz por doze? – Lena perguntou, fazendo com que o contato se rompesse e a morena e eu a olhássemos. - Só tenho isso trocado. - Lena tirou e mostrou as cédulas que tinha na carteira: duas de cinco, uma de dois e... Duas de cinquenta reais.
- Tenho troco. – a morena respondeu sorrindo e abrindo a bolsa direita da cartucheira.
- Tá. – Lena respondeu desistindo, finalmente, de pechinchar.
Negócio fechado e concluído, Lena presenteou Mônica com o colar. As duas se abraçaram, sussurrando uma no ouvido da outra. Algo que ninguém além das duas conseguiu escutar.
- Você faz tererê? – Flávia perguntou com seu maior e melhor sorriso, já de pé e ao lado da morena.
- Faço.
Antes que Flávia pudesse retrucar, Ive apareceu:
- Aaaaaah! Eu não acreditoooo! – veio correndo, deu um beijo estalado na bochecha da morena e a abraçou antes de gritar: - Lu, olha só quem tá aqui! Lu!
A mulher de cabelos curtinhos, que estava atendendo outras pessoas, duas barracas à nossa esquerda, virou-se apertando os olhos para enxergar melhor. Quando conseguiu, abriu um sorriso imenso e veio rapidamente até nós:
- Sâni? Caralhoooo! Sâniiii! Que saudade! – exclamou já agarrando a morena – Quando você chegou? Por que não ligou?
A morena correspondeu integralmente ao abraço:
- Anteontem de madrugada, mas... Tava morta de cansada. Ontem acabei dormindo o dia todo, só hoje consegui me recuperar.
O diálogo que se seguiu foi rápido:
- Como foi cair na estrada de novo?
- Demais!
- Três meses, né?
- É. Quase não voltei. Depois te conto...
- Passa aqui mais tarde?
Lu voltou para o bar assim que a outra assentiu:
- Combinado!
Antes de seguir a mulher, Ive piscou para a amiga e sussurrou – baixo, mas não o suficiente que eu não escutasse:
- Quero detalhes!
A morena então virou-se para Flávia:
- E o tererê, vai querer?
Flávia voltou a se aproximar:
- Quem sabe depois? – encarando a morena, perguntou num tom absolutamente sem disfarces: - Você vai voltar, não vai?
O sorriso da morena foi de uma simpatia bastante impessoal:
- Vou.
Isso não fez Flávia esmorecer, muito pelo contrário:
- Eu não vou sair daqui. – estendeu a mão: - Prazer... – mas só depois que a morena ofereceu a dela se apresentou: - Flávia.
Eu já a tinha visto fazer aquilo mais de um milhão de vezes. Manteve a mão da morena na dela e a olhou dentro dos olhos, com um sorriso cheio de charme. A diferença estava num único detalhe: a morena permaneceu imune. Soltou-se e sorriu de um jeito... Condescendente quase.
- Tá certo, Flávia. Então até mais!
Virou-se e começou a caminhar. Só conseguiu dar dois passos antes de Flávia chamar:
- Espera!
Sem voltar nem girar o corpo - apenas a cabeça, o suficiente para fitá-la, perguntou:
- Quê?
Não sei se foi claro. Eu conhecia Flávia bem demais, sabia que ela estava... Desconcertada:
- Não vai nem me dizer o seu nome?
A morena riu:
- Você já não sabe?
Flávia foi até a morena e colocou-se na frente dela:
- Não que não combine com você... – olhou-a de cima a baixo - Combina... E muito! – só então pareceu se tocar que a estava “secando” de forma descarada demais – Ah... Vai dizer que “Sunny” é seu nome verdadeiro?
A morena ficou séria:
- É como todo mundo me conhece.
Flávia persistiu num tom doce e suave:
- Mas não é o seu nome de verdade.
O sorriso da morena foi ácido:
- Depende o que você considera “verdade”.
O de Flávia aumentou. Ela adorava as que ofereciam dificuldade.
- O nome que consta na sua certidão de nascimento, no seu CPF, na sua identidade...
“Touché!”
Conseguiu arrancar uma gargalhada divertida:
- Você é policial por acaso?
Respondeu com um orgulho inegável:
- Advogada.
Aí sim, a morena riu de fato:
- Tá explicado!
Aproveitando o clima bem humorado, Flávia insistiu uma vez mais:
- Me diz, vai...
A morena sorriu, jogou o cabelo ondulado para trás e se deu por vencida:
- Tá, eu vou matar a sua curiosidade. – fez uma pausa que pareceu durar a eternidade antes de finalmente falar: - Meu nome é Sandra.






postado originalmente em 18 de Abril de 2013 às 18:15

CAPÍTULO 02



Músicas que embala o capítulo = California Dreamin': 
https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=qhZULM69DIw



Sunny - Jennyfer Hunter

Que pessoa insistente! Pensei em respondê-la agressivamente, sei lá... deixá-la no vácuo. Mas o olhar atento da amiga em nós me fez querer, mesmo que inconsciente, ficar mais um pouco ali só para observá-la. Ao responder à insistente, pareceu que meu nome não lhe trazia boas recordações, pois no
momento em que ela ouviu-me dizer meu nome real ficou pálida, estatelada, imóvel. Tive vontade de voltar e perguntar se estava tudo bem. Se eu havia dito algo que a tinha aborrecido. Porém, eu queria correr daquela advogada tarada e inconveniente o mais rápido que eu conseguisse antes que ela perguntasse a cor da minha calcinha. Pedi licença à tal indiscreta e segui em frente, continuando o percurso na areia da praia. 


A tarde passou e eu não voltei à barraca das meninas como eu tinha dito que faria. Apesar de não ter ido, meu pensamento não saiu daquele lugar, pois me peguei pensando naquela desconhecida por diversas vezes. Aquele seu olhar em mim, um misto de curiosidade e de desalento, queria me dizer algo. Mas não conseguia imaginar o que pudesse ser. Desde o momento em que parei na barraca com aquelas turistas, meu pensamento reforçava o rabisco da expressão daquele rosto controverso. Senti um arrepio intrigante, convidativo, ao mesmo
tempo em que algo me dizia para ter cuidado. Duas coisas que eu tinha certeza era de que não estava daquele jeito pela advogada. Sem chances. Mas inusitadamente, por causa de um simples olhar, capaz de criar pensamentos que prenunciavam o inexplorado. E a outra certeza era de que, queria explorar o mistério contido naquela mulher. 
Após alguns devaneios, olhei para a hora e decidi ir para casa descansar.
Amanhã eu passaria lá na Lu e na Ive para conversarmos. 


Assim que entrei em casa, Ive me ligou para me perguntar se eu não iria voltar lá na barraca. Respondi que estava muito cansada e que passaria por lá amanhã.
Em vez de reclamar e desligar, estranhamente continuou e perguntou: 
- A Flavinha e amigas estão saindo da praia agora...ela veio nos convidar para fazermos um happy hoje à noite lá na casa dela. Que tal?
Fiquei muda, pois não queria ser grosseira negando o convite. Tentei dar uma desculpa:
- Ive, não acho que seja uma boa e...
- Ah vamos! Aliás, ela que pediu para te chamar. – Disse já me cortando.
Ela sabia que eu não costumava dispensar festinhas, mas não queria ter que encarar as investidas descaradas da tal advogada.
- Por isso mesmo, Ive. Tu viste a insistência dela, né? Não quero ficar fazendo esforços para me esquivar de ninguém. E além da conta, estou no bagaço. 
Minha viagem havia me cansado muito e eu ainda não havia conseguido descansar direito desde meu retorno. Naquele momento, de verdade, o que eu mais queria era um banho bem quente e minha cama.
- Mas Sunny, ela não pareceu interessante pelo menos para dar uns beijos?
- Não.
Ela não. Pensei.
Fez-se um silencio... Cinco segundos que mais pareciam cinco minutos. Sabia que ela estava fofocando com a Lu.
- Perae, que a Lu quer falar contigo.
Bingo! Sabia que teria apelação!
- Ô maluca! Que história é essa de que você não quer ir hoje com a gente? Posso saber porquê?
Dei aquela suspirada de que sabia que estava perdida. Essa mulher não ia me deixar quieta enquanto eu não dissesse sim. Mesmo assim tentei:
- Porque são suas amigas, Lu... Não tem nada a v...
- Ah mas vai sim senhora! Olha só, são quatro e dezessete agora. Por volta das sete horas vou te ligar pra gente combinar de se encontrar, ok? E nem pense em desligar seu celular, pois sei o caminho da sua casa, sua safada! 
Antes que eu pudesse tentar qualquer contra-argumento, ela mandou beijos e desligou.
Porra! Mas que mania feia que ela tinha de desligar na minha cara. Não mudava nunca! 
Deitei e fiquei lembrando de quando a conheci até ela se tornar a grande amiga de hoje... Seis anos atrás.


Eu estava em uma roda de amigos que eu tinha feito na Colômbia, e que visitavam a cidade. Eles tinham me ensinado a fazer uns colares e pulseiras com miçangas bem tradicionais de sua cultura. A festa na praça dos Pescadores estava muito boa. Com música ao vivo e muita gente de vários lugares. Em algum momento, parou uma jovem ao meu lado, perguntando se o colar que eu tinha acabado de fazer estava à venda.
- Quanto custa?
- Oi? - Respondi sem entender o que ela tinha perguntado por conta do barulho.
- Esse colar... Quanto é? – Disse a garota apontando pro conjunto de miçangas.
- Ah não... Não faço pra vender. Estou aprendendo ainda e...
- Aprendendo? Puxa! Deveria ganhar dinheiro com isso, viu? Você é muito boa... 
Aceitei o elogio. E meio sem jeito disse que nunca tinha pensado naquilo.
Então, Luciana se agachou para falar melhor comigo.
- Olha, sei que não nos conhecemos. Mas sinceramente, seria muito bom conhecer melhor esse seu talento. Tenho uns amigos que iriam adorar comprar seus colares. Pense nisso. Se quiser conversar sobre me procure.
Estendeu a mão entregando-me um cartão, cujo tinha seu telefone.
Dias depois, liguei pra ela e combinei de deixar os colares e demais bijus para ela expor em sua barraca. Com o contato recorrente, passamos a conversar bastante. Tornamo-nos muito amigas. Saíamos juntas, curtíamos praias juntas e nos aventurávamos também... Não desgrudávamos. Ela não ficava com os meninos bonitos que chegavam nela nas festas. E sempre dava pitaco nos que eu escolhia para ficar. Queria dar fora neles por mim, também. Quando a questionava porque não tinha ficado com ninguém, dizia que não queria se envolver com ninguém. E que, por eu ser mais nova, ficava tomando conta de mim. Dizia que homem era tudo safado e só queria saber de se aproveitar da minha inocência. Eu sempre ria dela. Fingia que acreditava naquela história. E adorava essa historinha de proteção. Ela era como uma irmã mais velha pra mim. Luciana nem desconfiava de que eu já tinha sacado qual era a dela! Só não tinha tocado no assunto ainda porque estava respeitando o seu tempo. 
Eu não dependia daquilo para ter renda e viver, mas como o dinheiro que entrava era bom, eu continuava produzindo os acessórios e deixando com ela.
Assim, eu ganhava um extra e guardava para curtir minhas viagens.
Em uma das vezes que fui lá levar o material para a Lu vender, tive a confirmação.
Tinha uma galera curtindo a praia, e uma guria muito bonita foi até a barraca para pedir um saco plástico.
- Olá!
Lu, ao olhar pra ela, ficou muda, imóvel, intacta.
- O... Oi. Pois não? - Respondeu com voz arfada e olhar concentrado na loira.
- Eu... Eu queria saber se você teria uma sacola que pudesse me emprestar?Esquecemos de trazer uma pra recolher o lixo e ...
- Claro que tenho. – Lu respondeu, mas não se mexeu pra pegar o saco. 
Como eu vi que ela não iria sair daquele lance quase hipnótico, fui até o puxa-saco que ficava ao lado do freezer e peguei a sacola para a Lu. As duas ficaram ali se olhando, sem nada dizerem.
Fiquei um tempo olhando as duas, e até tive dó de descongelar aquela cena. Se eu fosse pintora, daria pra completar um quadro com a pintura viva das duas.
Mas tive que acabar com o encantamento sapatônico:
- Com licença... Aqui está sua sacola. – Disse entregando o plástico a moça, mas Lu tirou o saco da minha mão e entrou à desconhecida.
- Lu... Pode me chamar de Lu. – Respondeu minha amiga, assim que a jovem pegou a sacola de sua mão.
- Obrigada... – agradeceu e sorriu convidativamente.
- Fique à vontade. Se precisar de mais alguma coisa, eu faço uns drinks e tenho cerveja.
- Que legal! Vou querer sim. Eu to sentada ali, tá vendo? – apontou para um grupinho que se divertida. – Você faz caipirinha de kiwi?
- Sim... faço sim. Levo uma no capricho pra ti.
- Não precisa levar. É só me chamar que eu venho aqui buscar. 
E completou estendendo a mão e dando aquele sorriso enquanto se apresentava... – Prazer... Ive.
Deu um passo para trás, antes de se virar e caminhar para frente.
Minha amiga continuou ali parada observando a loira se afastar lentamente.
Quando ela voltou do seu mundo e viu que eu estava olhando inquisidoramente, soltou:
- Que foi?
- Vou torcer pra ela te devolver o saco plástico.
E rimos muito num misto de alivio e cumplicidade.
Não preciso nem contar no que deu, não é mesmo? Hoje elas estão casadas e não se desgrudam por e para nada.
Sabe... Eu também queria encontrar alguém que me congelasse e derretesse o coração assim. Mas eu não conseguia parar com ninguém. Tinhas uns rolos com uns carinhas, mas eles só queriam sexo. Às vezes um lance firmava, mas não durava nem dois meses... não sei se eu era exigente demais ou se não sabia escolher. Talvez, tivesse dedo podre para o amor ou talvez não fosse pra ter ninguém mesmo. Sei lá.
Toda vez que me lembrava da história linda das minhas amigas, me perguntava se um dia eu teria alguém assim pra me completar... E lembrava de que eu estava sempre acompanhada, mas com aquele sentimento de solidão.
Até nas viagens que eu fazia, era a mesma coisa. Conhecia uns caras, curtia com eles, mas não passava de flerte e casualidade. Nas festinhas que eu ia com as meninas cheguei a beijar umas meninas. Ficava com algumas, mas não passava disso. Achava que elas também só quisessem algo fortuito. A verdade é que eu nunca me vi interessada de verdade por nenhuma delas. Luciana dizia que eu era lésbica e não sabia. Eu achava graça disso. Como eu podia ser lésbica se sempre estava com rapazes? Ela dizia que um dia eu daria razão a ela. Que apareceria alguma mulher na minha vida, capaz de mexer comigo de tal forma que eu não iria compreender. Só iria querer viver aquilo. E aí seria um caminho sem volta.
Depois de mais uma desilusão amorosa, fui visitar minha mãe e depois resolvi fazer mais uma das minhas viagens pela América Latina. Fui sem ter previsão para voltar. Decidi que não queria mais ter ninguém, por enquanto. Que iria me curtir.
¡Ah se aquellas calles pudiesen hablar! Conheci tantos lugares maravilhosos como Punta Del Diablo, onde fiz algumas amizades; Colonia Del Sacramento e tantos outros. Mas uma hora a gente precisa voltar e encarar a vida de novo. A saudade vai apertando, e ficar longe, embora que em lugares lindo, passa a ser um sofrimento. Quando isso acontece, é hora de voltar e ficar perto de minha mãe e da minha irmãzona novamente.


Acordei assustada com o meu celular vibrando. Olhei para o relógio e vi que eram quase sete e meia da noite!
- Mulher, onde você está? To te ligando e você nada de me atender. – Falou uma voz impaciente do outro lado da linha.
- Em casa.  Que foi? Aconteceu alguma coisa? - Perguntei pra Lu ainda com aquela voz de quem estava bocejando enquanto tentava acordar a consciência.
- Como assim o que foi? O que foi, Sunny? Tu esqueceste da reuniãozinha lá na casa da Flávia?
- Hã..? Ah é. – O desanimo na minha voz era claro.
Tinha esquecido sim. E o que ela tinha que me lembrar? Que coisa! 
- Se arruma, amiga. E nos encontre aqui em casa. Daqui você segue a gente. – Disse Lu.
Fiquei pensando nos prós e contras desse happy e pensei em dar uma chance às amigas da minha amiga. Afinal de contas, depois de umas bebidinhas todo mundo passa a ser conhecido de décadas.
- Me dá uma hora. Já, já to chegando aí.
- Ok. Nada de me dar bolo. Se não aparecer, a gente vai aí te buscar, viu? 
desligou na minha cara de novo.
Às vezes tenho pena da Ive. Essa Lu era muito mandona.


Em cinquenta minutos eu estava parando na porta da casa delas e buzinando.
Assim que me viu ao abrir a porta de sua casa, Ive soltou:
- Que bom que você veio. Tá gatona, hein? Isso tudo é pra advogata? – Disse rindo.
- Você não presta, Ive. - Sorri apenas. E continuei: - Estão prontas?
Ive fez que sim com a cabeça e chamou sua mulher. Lú já veio me sacaneando...
- Amiga... tu tá lindona hein! Flavia vai adorar te ver ass...
- Para com isso, Lu. – Fiquei série e continuei. – Que fique claro que só vou porque vocês iriam me encher a paciência. Então, parem de ficar jogando suas amigas solteiras pra cima de mim, ok? To cansada disso.
As duas ficaram caladas e após se olharem, Ive soltou:
- Tá certo. Vamos?


A moça pra quem eu tinha vendido o colar hoje de manhã foi quem abriu a porta. Foi super receptiva e educada enquanto entrávamos. Primeiro Ive, Lu e em seguida eu.
Flávia saiu da cozinha com um prato de salgados nas mãos e abriu um largo sorriso ao me ver.
- Olha só quem veio! Que bom que aceitou o convite. – Disse enquanto me cumprimentava com um beijo no rosto. Assenti amistosamente com a cabeça e agradeci pelo convite.
Olhei em volta e percebi que estava faltando uma pessoa. Não eram quatro hoje mais cedo na barraca? Não estavam todas lá. Cadê a outra? Como que se tivesse lendo minha mente, Flávia falou:
- Acabou de sair do banho. Está acabando de se arrumar. Já, já ela vem se juntar a nós.
Eu sorri tentando ser indiferente à percepção dela.


Ficamos ali tentando engrenar uma conversa longa, com aquelas perguntinhas soltas do tipo: “E aí, quais as novidades? O que contam de bom? E você?”
Flávia quis saber como andava a vida da Lu e da Ive, já que fazia um tempo que elas não batiam um papo. E eu só observando. Os dois casais falando à beça, com aquela sintonia ... E Flávia sempre olhando atentamente para mim, como um lobo que espera para dar o bote em sua presa. Perguntou o que eu fazia da vida. Respondi que vivia bem. E que era feliz assim. – Não quis abrir muito. E antes que ela pudesse sequenciar suas indagações, chegando talvez, na minha vida sentimental, perguntei onde era o banheiro. Flávia que estava sentada ao meu lado, quase que grudada, só faltou sussurrar em meu ouvido direito:
- Corredor à direita.
Pedi licença e fui. Sabe quando você sente que estão te avaliando? Pois é. Essas mulheres estão terríveis hoje em dia, viu?


Retoquei o batom, ajeitei o cabelo antes de sair do banheiro. Assim que saí daquele cômodo e cheguei no corredor, dei de cara com ela. Algo lhe estava diferente do momento em que a avistei na praia. Seus olhos negros cintilavam e aquele sorriso fazia tudo nela ficar ainda mais bonito.
Ficamos um tempo paradas... uma olhando a outra... tentando talvez dizer tudo que pudesse ser dito através dos olhares... se conectar apenas... e de repente, essa conexão foi cortada por uma voz que atravessou o corredor para ir até a cozinha. Mas ninguém falou com a gente. Mas aquele vulto foi o suficiente para nos tirar do nosso transe. Timidamente falei:
- Oi, Camila.
Ela sorriu e respondeu gentilmente o mesmo. Mas não falou meu nome. E continuamos de novo a ficarmos ali... nos olhando. Até que Flávia, saindo da cozinha e indo pra sala, falou debochadamente:
- Meninas... estamos aqui na sala, viu?
Camila sorriu de cantinho de boca e fez um gesto indicando para a gente ir...


Quando aparecemos, as meninas lançaram alguns olhares curiosos em nós, mas preferi não dar ibope. Afinal de contas, nem as conhecia direito e não tinha que dar satisfação de nada.
Enquanto a conversa rolava, eu me via procurando o olhar dela, e sempre que os dela encontravam os meus, ela disfarçava. Flavia também estava atenta em nós.
Talvez estivesse analisando o terreno... se poderia continuar as investidas em mim ou se teria que disputar com a amiga. Ao mesmo tempo que pensava nisso, também achei que... Bom... deve ser coisa da minha cabeça. Deixei pra lá.
Lena, que já estava bem alegre da bebida, me perguntou descaradamente:
- E você não tem namorada?
Flávia e Camila ficaram atentas a minha resposta.
- Não.
- Mas já teve?
Monica beliscou Lena... que soltou um grito de protesto. Dei uma risada, disse que estava tudo bem. Olhei antes pra Lú e falei:
- Saí com umas por aí. Isso responde a sua pergunta? - Falei enquanto dava uma golada na cerveja.
Flávia e Camila só prestavam atenção.
Para cortar o assunto, Lu me perguntou:
- Sun, me conte... como foi sua aventura no Uruguai?
- É verdade! Ive comentou que você ficou meses fora. Que foi de mochileira pra lá. – Falou a advogada.
- Ah sim! Foi uma viagem maravilhosa. Fiquei três meses andando por lá.
- Foi pedindo carona?
- Não não... eu fui de moto. Coloquei algumas coisas na mochila e no bagageiro e fui. – Respondi a pergunta da Mônica.
- E é confortável ir pra tão longe de moto? Indagou Lena com olhar de ciúmes pelo interesse de Mônica.
- Sim.. a minha é bem confortável e econômica...
- Vocês precisam ver, meninas! Essa moto é o xodozinho dela. Tem até nome a bicha!!! – Disse Lu curtindo com a minha cara a Lu.
- Ah é? E como se chama? - Perguntou Flávia.
- Midnight. - Respondi.
- Midnight não seria uma marca?
Olhei pra ela com encantamento, pois ela tinha sido a primeira pessoa que não debochava do fato de como chamava minha motoca. Olhei pra ela e respondi sem piscar:
- Sim. É uma XVS 950. Vinho.
Ela sorriu...
– Acho linda.
- É sim...
- Eu sempre tive vontade de ter uma... Mas Sandr...- Fez uma pausa... Os olhos marejaram... E continuou: - Deixa pra lá.
- Quem? -  Perguntei por não entender a pausa...
E Flávia, para cortar o eminente climão, me perguntou:
- E foi de moto sozinha?
- Sim. Curto viajar. Gostaria de que tivesse alguém que topasse me acompanhar às vezes, mas mesmo não tendo, eu vou assim mesmo.
Flávia respondeu com um sorriso largo e oferecido...
- Eu gosto de viajar... se quiser companhia...
- Pode deixar... – respondi e voltei a buscar a atenção de Camila... perguntei despretensiosamente.
- Você gosta de viajar de moto?
- Gosto de viajar, mas de moto.. acho que não teria coragem.
- Tente um dia. É uma sensação de liberdade maravilhosa.
Nós duas ficamos ali nos fitando novamente... ela tímida e eu querendo que ela falasse mais.
- E como foi? – Perguntou Flávia nos cortando novamente. Me parecia que ela queria atenção também.
- Foi muito bom. Conheci bastante gente lá e me diverti muito. Tem uns bares e festinhas em Montevidéu que são bem divertidos. – Respondi, mas sem fitá-la por muito tempo – E continuei:
- Mas eu cansei de ficar tanto tempo longe de casa e voltei. Aliás, eu sempre volto para as pessoas que amo, não é Lu?
Camila abaixou a cabeça assim que falei. Aquele gesto continha algo que não conseguia mensurar... desespero e dor, talvez... Ela, ainda de cabeça baixa, levantou-se rapidamente enquanto pedia licença e foi para a cozinha.
Flávia levantou em seguida e foi atrás da amiga.
Fiquei ali sentada sem entender nada... e quando ia perguntar o que tinha acontecido, Monica falou baixinho:
- Deixa eu te explicar rapidamente... Camila perdeu a esposa em uma viagem. E isso tem mais de dois anos. E até hoje ela não soube do paradeiro.
Eu fiquei calada... Internalizando... imaginando a dor que ela devia sentir.
Imaginando o quanto devia ser difícil para ela... e percebendo que agora tudo fazia mais sentido... isso explicava aquele olhar triste, com pedido de socorro...
E então, percebi que havia dado uma mancada. Sabia que não podia me culpar, pois não havia falado nada por mal. No entanto, eu não podia aceitar que ela tenha ficado abalada por uma frase minha, e mesmo assim, não fazer nada para me desculpar. Pedi licença às quatro na sala, levantei e fui até a cozinha.
Presenciei Flávia conversando com Camila, que estava ainda de costas para a amiga, na busca de evitar ser olhada naquele estado.
- Camila... Eu sei como deve ser complicado pra você estar entre amigos e acabar lembrando dela...
- Flávia... Eu simplesmente não a esqueço... Eu não consigo... Não consigo. Você viu? Tudo me faz lembrar a Sandra. Meu Deus, tudo!
Levou as mãos à cabeça como sinal de desespero.
Flávia a abraçou por trás tentando confortá-la o máximo que podia... Segurou-a pela cintura enquanto a conduzia para virar e dar-lhe um abraço. Ela foi abraçada pela amiga, que acrescentou:
- Você está se cobrando demais, não acha? Ela não sabia da história...
- Não sabia... Mas a essa altura já devem ter contado... – retrucou Camila.
- Sim... Contaram. - Falei ao mesmo tempo que o rompimento dos corpos das duas acontecia.
Ela virou-se de costas pra mim no intuito de esconder o choro.
Flávia beijou um dos ombros da Camila e fez sinal pra eu ficar enquanto ela saia.
Agradeci com a cabeça e aguardei Flávia sair completamente da cozinha.  
Cheguei perto... Parei atrás dela... Senti o aroma que vinha de seus cabelos ainda um pouco molhados...  Pensei no que falar... Nada vinha... Sabia que tinha dito algo que a tinha machucado muito.
Respirei fundo...
Toquei em seu ombro esquerdo... E falei:
- Hey... Camila...
Ela não se mexeu...
- Camila, por favor... - Pedi mais uma vez.
Ela hesitou mais um pouco, mas virou-se para mim lentamente. Os olhos mirando o chão. Segurei seu queijo suavemente e conduzi seu rosto até que ela me olhasse...
Ficamos a um pouco mais de dez centímetros uma da outra...
Ela me olhou nos olhos e depois para minha boca...
Eu a correspondia...
Sequei uma de suas lágrimas... E falei:
- Sinto muito. Não era minha intenção te deixar assim. - Deixa eu te dar um abraço?
Sorri pra ela... Que permaneceu me olhando, me analisando...
- Posso? Insisti:
Ela se aproximou e me abraçou forte.
Foi um momento único pra mim em todos os aspectos... aquela mulher estava mexendo comigo e isso era um fato. Dar um abraço terno nela florescia em mim o mais puro sentimento de paixão... meu coração parecia soltar pela boca... e quando senti aquela pelo do seu rosto tocando meu pescoço, desejei que o contato se eternizasse.
Ficamos ali grudadas... paradas enquanto nossa respiração se tornava única... ela se acalmava em meu ombro a medida que eu acariciava sua nuca lentamente. Era mágico sentir meu corpo responder ao contato do corpo dela.
Eu nunca havia percebido qualquer interesse por garotas antes... não daquele jeito.
- Camila! --- Falei ainda grudada ao corpo dela. – Quer dar uma volta comigo?
Ela levantou sua cabeça lentamente... olhou-me atentamente e perguntou:
- De moto?
Fiz um sinal afirmativo e sorri pra ela, cujo não hesitou em negar. Secou seus olhos com as costas das mãos... e disse:
- Vamos!
Puxei-a pelas mãos conduzindo-a até a porta do apartamento... As meninas, que estavam na varanda, conversando baixinho como se quisessem nos esconder os comentários, nos olharam com espanto... Antes que alguém perguntasse, eu avisei que iria lá fora com a Camila para conversarmos... Saímos sem olhar para trás.


Peguei o 2º capacete no bagageiro e coloquei nela... ajustando e apertando a fivela. O contato das nossas mãos me deixava ansiosa. Subi na moto... liguei... e estendi minha mão pra ela subi também. Quando Camila se ajeitou e entrelaçou minha cintura, aquele corpo colado em minhas costas despertou sensações únicas em mim...
- Tá pronta? – minha voz saiu abafada pelo capacete. Ela fez sinal de ok com os dedos e se apertou ainda mais em mim.
Sob os olhares curiosos das meninas na varanda... acelerei e parti sem nenhum lugar em mente.
Ela se ajustava ao meu corpo a cada curva que eu fazia. Podia sentir seus arrepios causados pelo vento gelado que confrontavam aquele rosto... Nada falamos... Não era necessário. Apenas sentíamos o que o momento queria nos proporcionar de mais íntimo, único, particular.
Passeei com ela por algumas ruas da cidade. Até chegarmos à praia dos Zimbros... ficamos um pouco ali olhando o mar... apenas respirando juntas... perguntei se ela queria continuar, e ela disse que sim. Então, fui margeando a costa por Morrinhos, Canto Grande, até pararmos na Praia do Maríscal. Nas vistas mais belas, eu parava de frente ao mar, mas não descíamos da moto.
Apenas a deixava admirar as ondas e ouvir o som do duelo entre as águas e a areia... Era lindo vê-la sorrir quando admirava a paisagem... Nunca havia tido aquela sensação que enaltecia e acalentava meu peito, num misto de medo e curiosidade, de quero mais... O que estava acontecendo? Seja lá o que for isso, sei que é bom. E queria sentir mais... Muito mais.
De frente à ultima praia visitada, descemos da moto e ficamos sentadas na calçada admirando o mar. O silencio era quebrado pelas ondas quebrando, como se quisessem me dizer que o que eu deveria fazer ou perguntar... Mas eu tinha receio de falar algo que a chateasse. Precisava ter mais tato. Diante do que soube sobre sua história, decidi esperar que ela falasse algo. E foi isso que ela fez... ainda olhando pro mar...
- Sunny... obrigada pelo passeio. E desculpe por mais cedo...
Nossos rostos se encontraram...
- Camila... não tem que se desculpar de nada. Te entendo. Fico feliz que tenha aceitado meu convite. Você gostou?
- Andar de moto com você foi muito agradável. – Sorriu.
Voltamos a ficar em silencio... Queria que ela tomasse as atitudes para não parecer que eu estivesse forçando algo.
- Sabe, Sunny... não tem sido fácil pra mim ter que enfrentar isso. Às vezes, tenho vontade de sumir do mapa... assim como ela fez. - Uma lagrima descia de seus olhos... fiquei observando... deixando-a à vontade. Ouvi-la me fazia tão bem.
- Confesso que, pela primeira vez em anos, me senti outra pessoa enquanto
estava na moto contigo. Me fez bem.
Foi difícil conter a minha emoção também... mas consegui, apesar de ao falar, demonstrar isso em minha voz embargada.
- Sei um pouco do que você passa. Quando perdi meu pai em uma missão militar, senti esse desespero. Eu e minha mãe tivemos de esperar semanas até o translado dele pro Brasil. Nesse meio tempo a sensação era de perda do rumo, das esperanças no futuro. É por isso que te entendo... você nem teve como se despedir dela.
Ela abaixou a cabeça... achei que ela fosse explodir em choro... mas não. Apenas segurou minha mão e disse que estar ali naquele momento, e comigo, era forma de aliviar-se de uma tensão de anos. Que se pudesse, faria aquilo mais vezes.
- Toda vez que você vir pra cá, se quiser, estarei às ordens. – Disse e a abracei de lado, puxando-a pra mim. Nossas bocas ficaram próximas por centímetros... os olhares se buscando como em um pedido visível para que o contato acontecesse.
Eu deveria me permitir? Mesmo sabendo que ela ainda estava ligada totalmente a outra pessoa? Não queria me ferir nem ser algo passageiro na vida dela, pois o que aquela mulher estava causando em mim, podia sentir, não era um sentimento meteórico. Estava criando raízes tão rápido que me dava medo.
Então, cortei o momento...
- Você tá toda arrepiada de frio... vamos voltar?
Ela voltou a si e disse:
- Não queria voltar... de verdade. Mas realmente estou com frio.
Levantamos, colocamos os capacetes novamente e subimos na moto.
No caminho, segurei as mãos dela e as conduzi da cintura até a altura do meu peito... indicando que queria ela mais próxima do que já estava e que assim, ela ficaria mais aquecida.
- Assim ficou tão bom... - Ela disse.
Alisei suas mãos com o intuito de esquentá-la ainda mais um pouco... Como que automaticamente, ela se aninhou mais em mim.
Pedi para ela que ela continuasse a me abraçar com força, enquanto eu andava lentamente com a moto, voltando pela extensão da Avenida Governador Celso Ramos. Eu podia sentir sua cabeça encostada em meu ombro direito enquanto ela apreciava o mar... Não queria que aquele passeio terminasse... Não queria me separar dela... mas como isso seria inevitável, fui o mais devagar que pude...
Até que paramos em frente ao apartamento da Flávia.
Ainda em cima da moto, dei a mão a ela para que pudesse descer enquanto a admirava mais um pouco. Ao desligar e descer da moto, Camila pegou nas minhas mãos e disse:
- Foi maravilhoso!  Muito obrigada.
Sorriu...
Retribui à mais perfeita pintura facial dela, respondendo:
- Eu que agradeço por você ter confiado em mim.
Ficamos nos olhando ainda de mãos dadas... Por quanto tempo? Não sei!
Parecia eterno. Até que Lu e Ive apareceram na porta, já se despedindo para irem embora.
O rompimento das mãos não foi brusco... muito pelo contrário... foi lento, selado de cumplicidade e ternura... como se fosse um pedido para que aquele momento não acabasse, para que não nos separássemos.
Ainda nos olhando, fazendo uma força sobrenatural para não parecer que eu já estava de quatro por ela, falei baixinho...
- Tudo bem. Vai lá...
Ela se aproximou ainda mais de mim, para logo em seguida me abraçar. Ação que gerou todos os tipos de arrepios em meu corpo... e em meu ouvido, sussurrou:
- Quero te ver amanhã... – deu uma pausa e completou - Na praia.
Se afastou e foi pra perto da Flávia, que estava na porta junto com minhas amigas.
Ive entrou no carro lançando-me um sorriso cheio de significado, enquanto eu subia na moto e Lu vinha em minha direção...
- Amanhã eu quero saber de tudo, mocinha! Me deu um beijo e entrou no carro.
Busquei o olhar da Camila mais uma vez... Sorri... Liguei a moto... Acelerei e segui com o pensamento nela. 
  


postado originalmente em 24 de Abril de 2013 às 18:00
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